Grupo de Capoeira foi criado em oficina do Mestre
Sapo
O caminho longo de terra batida parecia anunciar um deslocamento maior do que
o geográfico. Outro lugar, outras pessoas, outras histórias. Zumbi na entrada,
em azulejos, e um pequeno parque de diversões abrem alas para o Quilombo
Trigueiros, em Vicência, onde negros se refugiaram a partir do século XVII. O
lugar, emblemático na luta dos escravos, desde 2008 foi reconhecido pela
Fundação Cultural Palmares como remanescência quilombola e, na tarde de ontem
(30) foi palco do Encontro das Manifestações Culturais das Populações Rurais e
Povos Tradicionais.
Embaixo de um coreto armado, Edriane Cruz Barbosa,
vice-presidente da Associação Quilombola de Trigueiros, esperava animada o
início da festa. Além de uma possibilidade de diálogo com outro quilombo, o
Povoação de São Lourenço, o encontro também marcava a apresentação do resultado
das oficinas realizadas durante a semana (26 a 30) na comunidade. “Para a gente
é até emocionante receber esse encontro”, disse, enquanto dezenas de crianças e
adultos do quilombo iam chegando e sentando à espera do começo.
Quando o
sol já ia baixando, Luciclaudia Maria da Silva, mais conhecida como Preta, poeta
de Trigueiros, abriu o encontro recitando uma de suas poesias “Oh! Trigueiros
minha terra”. A menina, de apenas 21 anos, escreve poesia desde os 14 e já
viajou por toda a Mata Norte contando um pouco da história do lugar onde vive,
com orgulho. “Como eu moro aqui, me reconheço como quilombola. Nossa comunidade
tem uma história e nós temos que contar um pouco do que fomos”, explica ela que
sonha em publicar um livro. Além do caráter histórico, percebemos nas letras de
Preta uma vontade de falar também do presente. “Eu puxo muito pelo jeito das
pessoas viverem. Falo das coisas que acontecem na cidade”.
A primeira
atração da tarde veio logo em seguida à poesia de Preta. Moradoras do Quilombo
Povoação de São Lourenço, 14 meninas apresentaram o Coco de Seu Lourenço Cunha
e, vestidas de amarelo, dançaram três músicas com espontaneidade e improviso. O
grupo recém-formado promove um resgate de uma tradição antiga de dançar o coco
de roda. Uma das coquistas, Joselma da Silva, de 11 anos, me conta que a avó
dela, Maria de Lourdes dançou muito esse coco. Aos 57 anos, Dona Lourdes,
marisqueira, confirma. “Quando eu não tava na maré, eu ia pro coco. Estou feliz
de elas estarem aprendendo as coisas da comunidade. Os costumes dos pais, dos
avós. Vai chegando o final da gente, mas a nossa raiz não pode acabar”.
O
coco deu lugar à capoeira de angola quando já anoitecia. Como resultado da
oficina ministrada pelo Mestre Sapo, um grupo de 20 meninos se apresentou
jogando e tocando os berimbaus que eles mesmos confeccionaram durantes os cinco
dias de aula. Os meninos estampavam no rosto a alegria da primeira apresentação
como capoeiristas, em especial, porque o momento também celebrava a criação do
Grupo Capoeira Raízes de Trigueiros, formado pelos alunos. Miquéias Emanuel, de
12 anos, em coro com os amigos Walace, Denis, John Lenon e Eliel reclamava que o
tempo tinha sido curto. “A gente queria que ele ficasse o ano todo porque a
gente sempre quis ter um grupo de capoeira”. Misturado aos meninos, Mestre Sapo
comunga da empolgação. “A oficina foi maravilhosa. Eles participaram muito.
Chegavam antes e saiam depois. Foi uma convivência muito intensa”.
Para
finalizar o encontro, foi compartilhada a experiência da oficina de
beneficiamento de frutas ministrada pelos irmãos Maria José e Porfírio de Sousa,
moradores do Quilombo Feijão em Mirandiba, onde há cinco anos desenvolvem o
trabalho de aproveitamento das frutas locais. A oficina realizada em três dias
reuniu 35 pessoas da comunidade, que se doaram bastante na produção de polpas.
“Ensinamos a escolher, higienizar e guardar. Durante a safra, muita fruta nativa
se perdia. E com essa prática eles podem garantir também a geração de renda”,
explica Maria José, em sua primeira experiência como oficineira. “A gente viu
que do caroço da jaca se faz um purê maravilhoso, além de mousse e doce”, conta
Porfírio, que já espera visitas dos alunos em Mirandiba.
Para Erica
Nascimento e Chiquinho Assis da coordenação de povos tradicionais da Secretaria
de Cultura do Estado, o encontro mostrou a capacidade de mobilização da
comunidade. “Do ponto de vista da participação popular foi maravilhoso.
Percebemos que as coisas estão acontecendo”, explica Chiquinho,
satisfeito.
Fonte Fundarpe