segunda-feira, 8 de julho de 2013

A antropóloga norte-americana Nancy Scheper-Hughes fala sobre a situação atual da mortalidade infantil em Timbaúba em comparação a anos anteriores

A violência da vida cotidiana



A professora e antropóloga norte-americana Nancy Scheper-Hughes, da Universidade da California, esteve em Pernambuco, mês passado, para revisitar a localidade onde estudou a mortalidade infantil por muitos anos. A sua pesquisa resultou na publicação do livro Morte sem chorar: a violência da vida cotidiana no Brasil, que foi lançado em 1993. 

As histórias encontradas por ela no Alto do Cruzeiro, no município de Timbaúba, na Zona da Mata do estado, a fizeram procurar entender o motivo de tantas mortes de crianças e o pouco apego dos pais, principalmente das mães, pelos filhos que perdiam tão cedo. A publicação traz números referentes às mortes de meninos e meninas com menos de 12 meses e de crianças com idades entre 1 e 5 anos. 

Conhecida por seus escritos sobre a antropologia do corpo, a fome, a doença, a loucura, o sofrimento social, a violência, o genocídio e a medicina, Nancy fez também uma investigação sobre uma rede internacional de tráfico de órgãos como base em Nova York, New Jersey e Israel, que resultou numa série de prisões realizadas pelo FBI. 

Aqui no Brasil, a antropóloga entrevistou o israelense Gadalya Tauber, preso pela Polícia Federal sob a acusação de chefiar um braço da quadrilha em Pernambuco. Ex-oficial do Exército israelense, ele comandou o recrutamento de mais de 30 pessoas no Grande Recife. As vítimas eram mandadas para a África, onde eram submetidas a cirurgias para a retirada de um dos rins e recebiam dinheiro em troca.

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O primeiro livro de Nancy Scheper-Hughes, doença mental na Irlanda rural (1979), um estudo de loucura entre os agricultores solteiros, venceu a Margaret Mead Award da Society foi Applied Anthropology em 1980.

Nancy Scheper-Hughes foi premiada com o primeiro Berkeley William Sloane Coffin Jr. Award, em abril de 2007. O prêmio reconhece a liderança moral entre os membros da comunidade da Universidade da Califórnia, em Berkeley. O prêmio tem o nome de William Sloane Coffin, um capelão da Universidade de Yale, ativista dos direitos civis e movimento da paz.

Nancy Scheper-Hughes chegou em Timbaúba pela primeira vez em 1964. Veio trabalhar como voluntária da paz.

Morou no Alto do Cruzeiro, onde fez vários amigos.

Ajudou a construir uma creche para deixar os filhos dos moradores no local.


''As mães não choravam por seus filhos''


Entrevista cedida ao repórter Wagner Oliveira  (Diário de Pernambuco 17 de junho de 2013)

Por que a senhora escolheu o município de Timbaúba, na Mata Norte do estado, para ser o local do seu estudo sobre a mortalidade infantil?
Eu fazia parte do programa de Voluntários das Nações Unidas, da ONU, que foi criado com o objetivo de contribuir para a paz e o desenvolvimento em todo o mundo por meio do voluntariado. Então, em 1964, várias pessoas dos Estados Unidos foram enviadas para diversos lugares de Pernambuco para trabalhar. Eu sempre tive interesse pela questão da saúde pública e, sobretudo, pela saúde de crianças e acabei vindo para a cidade de Timbaúba. Naquele tempo, nós trabalhamos como uma espécie de visitador, que hoje são os agentes de saúde. Entrávamos nas casas das famílias e começamos a descobrir as dificuldades que elas passavam.

O que a senhora encontrou nas visitas a essas famílias do Alto do Cruzeiro, onde passou a morar?
As famílias da comunidade, no geral, eram todas muito pobres. Os homens e quase todas as mulheres trabalhavam com o corte da cana de açúcar e passavam muitas necessidades. Além disso, não havia água encanada nas casas, que eram todas de taipa, e também não existia saneamento básico. Diante dessa necessidade dos pais, muitas crianças acabavam passando o dia sozinhas. Aquelas que já eram um pouco maiores, muita vezes, eram obrigadas a tomar conta dos irmãos mais novos. Também não havia posto médico e atendimento adequado para as pessoas que moravam no Alto do Cruzeiro.

E por que as crianças do Alto do Cruzeiro ficavam tão doentes e morriam ainda antes de completar um ano de idade?
Como as famílias eram muito pobres, não tinham nenhum recurso e enm instrução para cuidar dos filhos. A falta de água na comunidade também obrigava as pessoas a pegarem água no rio, o que trazia o risco de várias doenças. Também percebemos que o local precisava ter uma creche para atender as crianças cujos pais passavam o dia fora de casa. No ano de 1966, com a ajuda de moradores da própria comunidade e da prefeitura, conseguimos construir uma creche, onde hoje funciona uma pequena escola.

Quando a senhora começou a notar que p número de mortes de bebês e crianças era muito grande no Alto do Cruzeiro?
Eu notei isso assim que passei a morar na comunidade. E uma coisa que me chamava muito atenção era o fato de as mães não chorarem por esses filhos que morriam. Elas aceitavam essas mortes de maneira muito natural. Isso fez com que eu entrevistasse algumas dessas famílias e escrevesse um livro que foi publicado em inglês e em espanhol sobre esse tema. O número de mortes era muito alto. Apenas no ano de 1965, quase 400 crianças com menos de 12 meses morreram no Alto do Cruzeiro. Já no ano passado, os registros municipais apontaram a morte de oito bebês antes de completarem o primeiro ano de vida. Foram cinco do sexo masculino e três meninas. A realidade da comunidade é completamente diferente agora.

Pelo o que a senhora pesquisou e observou na comunidade de Timbaúba, quais eram as principais causas das mortes dessas crianças?
Eram causas variadas. Posso aqui enumerar algumas como sendo doenças infecciosas e parasitárias, tumores, doenças do aparelho respiratório e ainda algumas que eram contraídas pelas águas do rio. No entanto, uma das causas de morte que me impressionava muito era a chamada Poe eles de ‘’doenças de menino’’. Nesse último caso, quando um bebê nascia fraquinho e não dava sinais de que iria ser uma criança saudável, as famílias diziam que eles tinham nascido com ‘’doença de menino’’ e que não conseguiriam sobreviver. Assim, paravam de alimentar essa criança e a deixavam sem cuidados até que o bebia morria.

A senhora morou em Timbaúba em 1964, voltou ao município em 1982 e depois disso não parou de fazer visitas a comunidade ao longo dos anos. Nesse tempo, o que acha que mudou?
Hoje a situação é completamente diferente. Antigamente, as ruas que davam acesso ao Alto do Cruzeiro não eram asfaltadas e as casas não tinham água encanada. Outra coisa que mudou foi à atenção das mães com a saúde dos filhos. Nos primeiros anos que estive aqui, os bebês só eram amamentados, no máximo, até seis meses de vida. Agora, as mães estão dando de mamar aos filhos até os três anos de idade e tenho visto que as crianças estão crescendo mais fortes do que antigamente.

A senhora também tem pesquisas sobre o esquema de tráfico de órgãos. Chegou a estudar os casos de Pernambuco?
Sim. O esquema de compra de órgãos começou no Brasil por volta dos anos de 1980. Essa prática já era bastante comum em outros lugares do mundo. Então, comecei a pesquisar sobre o esquema que estava acontecendo no Recife e foi investigado pela Polícia Federal. Fiz isso porque em 1999, eu e mais três professores lançamos uma organização dedicada a pesquisa sobre o tráfico global de órgãos humanos. Em 2003, várias pessoas foram presas em Pernambuco, entre elas o ex-oficial do Exército de Israel Gedalya Tauber, que foi acusado de comandar o esquema que levava pessoas do Recife para venderem um dos rins na África do Sul. Em 2004, acabei sendo convocada para prestar depoimento na CPI do Tráfico de Órgãos, que debateu o assunto em Pernambuco.

Gedalya Tauber estava foragido da justiça brasileira e foi capturado na Itália na semana passada. A senhora sabia que ele estava fora da prisão?
Claro que sabia. Só não sabia que ele havia fugido do Brasil. Estive com ele, inclusive, no ano de 2009, ocasião em que me convidou para ir na casa dele em Israel. Eu achei que ele havia terminado de cumprir a pena. Foi uma surpresa quando fui informada por um amigo daqui de Pernambuco que ele havia sido preso novamente. Disseram que ele foi detido quando voltava de Boston, nos Estados Unidos. Ele tem uma filha que mora lá. Talvez ele tivesse ido visitá-la. Gaddy(Gedalya) foi apontado pela Interpol como um dos foragidos mais perigosos do mundo. Mas o esquema de tráfico de órgãos em Nova York foi muito pior do que o comandado por ele no Recife.


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Por Renato Melo (Estudante de Jornalismo da UNINASSAU)
Foto: Timbaúba Agora