segunda-feira, 16 de abril de 2012

Em PERNAMBUCO, 450 funcionários públicos mortos estão em folha de pagamento

Fantástico mostra que houve desperdício de R$ 300 milhões de 2009 a 2010.

Mais de R$ 2 milhões foram gastos com gente que já morreu, diz TCE.


Uma reportagem feita pelo Fantástico mostra o escândalo dos funcionários fantasmas. Um levantamento feito em Pernambuco constatou a existência de traficante condenado recebendo salário, servidores morando a milhares de quilômetros do local de trabalho e até mortos na folha de pagamento. 

Ao todo, 450 funcionários públicos estão enterrados em cemitérios de Pernambuco. Os nomes deles aparecem numa auditoria do Tribunal de Contas do Estado. Durante dois anos, os auditores estudaram as planilhas de pagamento dos municípios pernambucanos.

A conclusão é de que, só nesse período, de 2009 a 2010, foram desperdiçados R$300 milhões em dinheiro público.

Mais de R$ 2 milhões, gastos em nome de gente que já morreu. No levantamento do TCE, o Recife aparece com o maior número de casos: 65. E o pior é que os fantasmas não estão só nos cemitérios.

Outros problemas

A administração do dinheiro público em Pernamubuco é assombrada por muitas outras irregularidades. O estado atingiu uma marca inacreditável: dos seus 184 municípios, 159 respondem a processos no Tribunal de Contas. São quase todos: 86% das cidades.

No município de Verdejante, no Sertão pernambucano, durante o período investigado pelos auditores, a folha salarial da prefeitura traz o nome de Severino Dantas de Sá, que é presidiário. Quando foi contratado estava foragido.

Na época, Severino estava bem mais longe, a dois mil quilômetros de distância da pequena Verdejante. Ele cumpria pena de sete anos de prisão por tráfico de drogas, em Brasília, em regime semi-aberto. Em agosto de 2008 ele fugiu do presídio e só voltou dois anos depois quando foi recapturado pela polícia.

Transferido para Salgueiro, a 35 quilômetros de Verdejante, Severino confirmou que foi funcionário público.

Repórter: O senhor trabalha pra prefeitura de Verdejante?
Severino: Não.
Repórter: O senhor já trabalhou pra prefeitura de lá?
Severino: Já.
Repórter: Em que período?
Severino: Trabalhei no período de 2009 até meados de outubro de 2010.
Repórter: O prefeito não tinha ciência de que o senhor deveria estar cumprindo pena quando foi contratado?
Severino: Não, não tinha ciência.
Severino: Quando eu fui recapturado, ele me demitiu imediatamente.

Ao tentar explicar o erro na contratação, o prefeito de Verdejante, Haroldo Silva Tavares, acaba revelando uma prática que leva a tantos casos de mau uso do dinheiro público no Brasil: o preso que virou funcionário é primo dele. "Inclusive a própria família que é dele, é nossa, dizia que ele não tinha mais problema na Justiça e eu não fui averiguar mais a fundo", diz Tavares.

Para a cientista política Roseli Coelho, as fraudes contaminam todo o serviço público brasileiro. “Você está esfregando na cara do funcionário público que trabalha que ele é um idiota, que ele é um trouxa, que outros mais espertos que ele tão ganhando o salário e não tão trabalhando”, afirma.

Mais problemas

Em Pernambuco, além de mortos que continuam a receber salários, o Tribunal de Contas descobriu outro descaso com o dinheiro do contribuinte. Você imagina que alguém possa morar a quase três mil quilômetros do emprego? A distância não é problema para a contratação de funcionários. As prefeituras pagam salários até para servidores que moram em estados que não fazem divisa com Pernambuco. São 3,8 mil contratados que não dão expediente, mas o o contracheque deles não falta.
Segundo o relatório, o prejuízo nesses casos foi de R$ 34 milhões em dois anos. Mirandiba, no Sertão Pernambucano. Uma cidade como tantas outras que precisam de serviços de saúde, de educação, de segurança. Mas Mirandiba contrata servidores que moram longe.

Jorge Luiz Furtado de Sá. Ele aparece como motorista na folha de pagamento de Mirandiba. Encontramos a casa da família dele. A irmã estranha que Jorge tivesse emprego numa cidade de Pernambuco.

Irmã: Lá de Mirandiba? Não, porque ele trabalhava aqui, como é que ele era funcionário lá?

E conta que o irmão deixou Brasília de repente.

Irmã: Eles juntaram as coisas, querida, e anoiteceu e amanheceu e foram embora, a família toda. Meu irmão, a mulher e os filhos.

Em São Paulo, a reportagem chegou mais perto de um dos fantasmas de Mirandiba. Maria Clara da Silva é contratada como auxiliar de serviços.

Senhora: Chega correspondência dessa pessoa aqui, entendeu?
O produtor do Fantástico em São Paulo encontra uma pista de Maria Clara.
Produtor: Mas sempre chega correspondência dela aí?
Senhora: Maria Clara.
Produtor: E ela passa pra pegar?
Senhora: Para pegar.

A moradora indica o caminho da casa que seria de Maria Clara. Mas o lugar está vazio. Por telefone, ela não quis explicar a situação.

Produtor: A gente precisa esclarecer, porque você tem um cargo lá e você não mora lá.
Maria Clara: Mas aí o meu advogado procura você e conversa com você.

Em Mirandiba, descobrimos que a mãe de Maria Clara trabalha no lugar dela.

Mãe: Ela adoeceu lá e está lá mas ela vem. E eu trabalho e recebo o dinheiro.

Outro lado

Bartolomeu Tiburtino é prefeito de Mirandiba desde 2009. Ele diz que as irregularidades começaram antes da gestão dele. “E nós vamos tomar as medidas cabíveis pra poder contornar essa situação”, afirma o prefeito.

As prefeituras foram notificadas pelo Tribunal de Contas para apresentar as suas defesas. Algumas instauraram processos administrativos para apurar as próprias irregularidades. Não há nenhuma garantia de que os pagamentos irregulares foram suspensos.

Segundo o TCE, com os R$ 300 milhões desperdiçados em Pernambuco, seria possível construir 1,2 mil postos de saúde. Ou 6,2 mil casas populares. Ou ainda 167 novas escolas.

“Nós já denunciamos isso ao Ministério Público Federal. O Ministério Público vai estudar e ver os indícios de improbidade e os indícios de crime em relação a essas questões e efetivamente nós vamos solicitar de forma firme a devolução desses recursos pelos responsáveis”, afirma a presidente do TCE, Teresa Duere.

Do G1, com informações do Fantástico.